A peça dá-se num porto imaginário, onde se
encontram as duas barcas, a Barca do Inferno, dirigida pelo Diabo e a Barca da
Glória, dirigida por um Anjo. Depois da morte,
apresentam-se várias personagens, que serão os
passageiros das barcas: um fidaldo que oprimia os mais fracos, um banqueiro ganancioso, um tolo (homem
simples que representava a inocência e a ingenuidade), um sapateiro burguês que
dava dinheiro à Igreja mas explorava os seus funcionários, um frade e a sua
dama que representavam a vida mundana do clero, uma alcoviteira que enriqueceu
à custa da exploração sexual, um judeu
que representava a rejeição da fé cristã, altos funcionários da justiça
corruptos, um enforcado que representava a vida vil e corruptível e quatro
cavaleiros que morreram como mártires de Cristo. Cada personagem discute
com o Diabo e com o Anjo para qual
das barcas entrará. No final, só os Quatro Cavaleiros e o tolo entram na Barca da Glória.
Creio que Gil Vicente procurou, corretamente ou
não, alertar o povo para duas ideias: 1) viver de forma prepotente, em função
do prazer momentâneo, a explorar e oprimir, fazer boas obras com segundas
intenções, ser religioso de fachada, por exemplo, dão como garantido um lugar
de sofrimento, separado de Deus após esta vida; 2) viver sem malícia ou ser um
mártir por Cristo, dão como garantido um lugar na glória.
Realmente, numa coisa Gil Vicente tinha razão: a
salvação, lugar na presença de Deus, não se pode comprar ou adquirir por
estatuto, posição, ou religião. Mas, segundo a Bíblia, a salvação também não se
recebe como presente pela nossa inocência (porque ela não existe, visto que
todos pecaram – Rom.3.23) nem mesmo pelas conquistas cristãs ou difusão da fé.
Segundo a Bíblia, a salvação, é uma obra divina,
que se concretiza no momento em que somos convencidos do nosso pecado,
afastamento de Deus e da justiça divina. Depois, arrependidos e confiando na
morte suficiente de Cristo em nosso lugar, somos por Deus regenerados. Neste
momento, o Espírito Santo transforma o nosso coração, não inocente, num coração
semelhante ao de Cristo. Nascemos de novo, para uma nova vida, agora guiada por
Cristo. Se isto verdadeiramente aconteceu, a nossa vida passará a ser coerente
com esse novo coração e a vontade divina.
vitor mota
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