A Bíblia vs. a Tradição

Esta semana fui novamente ver uma encenação para estudantes do "Auto da barca do Inferno", escrita por Gil Vicente e representada pela primeira vez em 1517.  Curiosamente, foi também em 1517 que Martinho Lutero publicou as 95 teses, em protesto contra as doutrinas e práticas da Igreja Católica Romana. Embora, naquela época, a reforma protestante tenha sido abafada no nosso país, podemos também notar que escritores, como Gil Vicente, se levantaram contra a tradição, as práticas e doutrinas religiosas.

A peça dá-se num porto imaginário, onde se encontram as duas barcas, a Barca do Inferno, dirigida pelo Diabo e a Barca da Glória, dirigida por um Anjo. Depois da morte, apresentam-se várias personagens, que serão os passageiros das barcas: um fidaldo que oprimia os mais fracos,  um banqueiro ganancioso, um tolo (homem simples que representava a inocência e a ingenuidade), um sapateiro burguês que dava dinheiro à Igreja mas explorava os seus funcionários, um frade e a sua dama que representavam a vida mundana do clero, uma alcoviteira que enriqueceu à custa da exploração sexual,  um judeu que representava a rejeição da fé cristã, altos funcionários da justiça corruptos, um enforcado que representava a vida vil e corruptível e quatro cavaleiros que morreram como mártires de Cristo. Cada personagem discute com o Diabo e com o Anjo para qual das barcas entrará. No final, só os Quatro Cavaleiros e o tolo  entram na Barca da Glória.

Creio que Gil Vicente procurou, corretamente ou não, alertar o povo para duas ideias: 1) viver de forma prepotente, em função do prazer momentâneo, a explorar e oprimir, fazer boas obras com segundas intenções, ser religioso de fachada, por exemplo, dão como garantido um lugar de sofrimento, separado de Deus após esta vida; 2) viver sem malícia ou ser um mártir por Cristo, dão como garantido um lugar na glória.

Realmente, numa coisa Gil Vicente tinha razão: a salvação, lugar na presença de Deus, não se pode comprar ou adquirir por estatuto, posição, ou religião. Mas, segundo a Bíblia, a salvação também não se recebe como presente pela nossa inocência (porque ela não existe, visto que todos pecaram – Rom.3.23) nem mesmo pelas conquistas cristãs ou difusão da fé.

Segundo a Bíblia, a salvação, é uma obra divina, que se concretiza no momento em que somos convencidos do nosso pecado, afastamento de Deus e da justiça divina. Depois, arrependidos e confiando na morte suficiente de Cristo em nosso lugar, somos por Deus regenerados. Neste momento, o Espírito Santo transforma o nosso coração, não inocente, num coração semelhante ao de Cristo. Nascemos de novo, para uma nova vida, agora guiada por Cristo. Se isto verdadeiramente aconteceu, a nossa vida passará a ser coerente com esse novo coração e a vontade divina.                                                   
 vitor mota  

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"Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos."

Salmos 19:1